Oi: O Pé na Porta da Recuperação Judicial e Diluição dos Acionistas

Já estava do lado de fora, mas aproveitando que a porta da recuperação judicial ainda não estava completamente fechada, a Oi pôs o pé na porta e quer entrar novamente.

A Oi solicitou à justiça tutela de urgência cautelar com vista à proteção contra credores. O pedido, realizado na semana passada, foi prontamente deferido no dia 3 de fevereiro pelo juiz Fernando Viana – responsável pela recuperação judicial da Oi solicitada em 2016, homologada em 5 de fevereiro de 2018 e encerrada no final de 2022, aguardando ainda trânsito em julgado.

A situação da dívida da Oi não é uma surpresa. Eram públicas as tratativas para renegociação com credores, assim como, os valores e prazos em causa. Na exaustiva análise à dívida da Oi que realizámos – acesse o link para consultar -, ficou claro que os próximos anos não seriam fáceis, sobretudo pelo pagamento dos Bonds Qualificados (em dólares norte-americanos) previstos para 2025 e que, só nesse ano, representariam um desembolso próximo de R$ 10 bi, isto além dos juros pagos em fevereiro e agosto de cada ano. Acrescem ainda os R$ 5 bi que estimámos como pagamento relativo às dívidas com os bancos e ECA’s entre 2023 e 2025.

O problema poderia não ser imediato, mas a Oi pode ter optado por antecipar a resolução para preservar o caixa da companhia. No Blow Out das discussões com credores, divulgado pela companhia em 31 de dezembro de 2022 , ficou claro que o objetivo seria aliviar o caixa da empresa nos próximos anos. O plano de pagamentos apresentado previa pagamentos em prestações únicas em 2027, 2031 e 2033, em substituição dos pagamentos previstos já a partir de 2023.

O pedido de Tutela de Urgência Cautelar

A Oi solicitou tutela de urgência cautelar em caráter antecedente preparatória de novo processo de recuperação judicial. A urgência da solicitação, segundo o documento, está relacionada com “O não pagamento de mais de R$ 600 milhões que vencem em 5.2.2023, dentre os quais mais de USD 82 milhões devidos a título de juros para os Bondholders”.

No documento a que tivemos acesso, a Oi refere “São, aproximadamente, R$ 29 bilhões apenas em dívidas financeiras, com os ECAs holders, bondholders e Bancos Nacionais, sendo que mais da metade desse valor está vinculada à moeda norte-americana,”. Este valor está em linha com o que analisámos no detalhamento da dívida da Oi considerando os valores de face (consulte aqui a matéria). Atente que os R$ 29 bi são apenas a dívida aos credores indicados, a dívida total é superior.

A Oi fundamenta esta solicitação na insustentabilidade da estrutura de capital da companhia. As causas apontadas para esta dívida insustentável são várias e ressaltamos algumas descritas na solicitação:

  • Do lado econômico, a pandemia da Covid-19 fez com que quase todas as premissas que serviram de base do Aditamento ao Plano de Recuperação Judicial se frustrassem. A variação inesperada das taxas de juro e da inflação fez com que as despesas financeiras se tornassem substancialmente maiores do que o previsto no Aditamento.
    • O estudo de viabilidade da Ernst & Young, apontou em 2020 que o IPCA seria de 1,65% ao ano, enquanto a variação real, no ano de 2022, foi de 5,79%.
    • A taxa SELIC, prevista no estudo de viabilidade, era de 2,64%, mas, no ano de 2022 alcançou 13,75%.
  • No escopo regulatório:
    • “enquanto o Grupo Oi fazia relevantes investimentos para acompanhar a evolução tecnológica e se manter competitivo no mercado, os contratos de concessão, a legislação e regulamentação associadas ainda exigiam das concessionárias a manutenção de obrigações de universalização e de qualidade voltadas para serviços já obsoletos, que oneravam o Grupo Oi sem o devido retorno financeiro, tampouco trazendo quaisquer benefícios à sociedade.”
    • “a concretização da venda de ativos valiosos da Companhia deu-se quase 2 anos após a homologação do APRJ, principalmente em razão do esforço para convencer os órgãos regulatórios e concorrenciais brasileiros acerca da legitimidade e viabilidade das alienações”.

Em rápida decisão, o juíz Fernando Viana acolheu a argumentação da Oi, deferindo o pedido e concedendo 30 dias (corridos) para a entrega do pedido de Recuperação Judicial. A 5 de fevereiro de 2023 a Oi completa 5 anos da homologação da primeira recuperação judicial – o período previsto na lei para que possa solicitar nova recuperação judicial.

Recuperação Judicial – Atenção: Serão os Credores quem Aprova um novo Plano

Com um novo processo de recuperação judicial, por um lado poderemos esperar um corte na dívida e, por outro, uma diluição dos acionistas. Os cenários propostos no Blow Out das negociações com credores já previam essa diluição, ainda que de forma “indireta”, através de uma conversão de parte da dívida em 30% de uma subsidiária a ser criada através de um carve-out da Oi contemplando a ClientCo.

Vejamos, a LREF – Lei de Recuperação de Empresas e Falência (Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005) prevê que a empresa deverá apresentar o plano de recuperação, porém, ele terá que ser aprovado em assembleia geral de credores. Os acionistas não têm qualquer intervenção neste processo de aprovação, a empresa apresenta o plano e submete à aprovação dos credores. Para o plano ser aprovado terá que ser votado favoravelmente pelos credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia-geral, assim como, mais de metade dos créditos das classes II e III.

As 4 classes de credores previstas na LREF são as seguintes:

  • Classe I – Trabalhistas.
  • Classe II – credores com garantia real (penhor, hipoteca, etc.).
  • Classe III – Credores quirografários (sem garantia real).
  • Classe IV – microempresas e empresas de pequeno porte.

Se o plano apresentado pela empresa (o devedor) for rejeitado em assembleia geral de credores ou caso o devedor não o apresente no prazo previsto, a Lei nº 14.112/20 prevê que sejam os credores a apresentar um plano alternativo.

A questão pode ficar complexa. Os credores podem, intencionalmente, reprovar o plano apresentado pela empresa de maneira a apresentarem eles próprios um plano, mais vantajoso para os seus interesses, que eles próprios aprovariam. Podem até reprovar o plano entendendo que terão maiores benefícios para os seus créditos com a falência da empresa. No entanto, a lei prevê que o voto de um credor pode ser declarado nulo “quando manifestamente exercido para obter vantagem ilícita para si ou para outrem”. Neste ponto a lei é vaga: se por um lado se reconhece que o voto do credor é exercido “no seu interesse e de acordo com o seu juízo de conveniência”, por outro, o voto será tido por abusivo se a finalidade do credor for “obter vantagem ilícita”. Chegando neste ponto, a situação gerada pode se tornar bastante complexa.

No nosso entendimento, para justificar o corte e alongamento no prazo da dívida aos credores, a empresa não terá muito mais o que “oferecer” para além de uma participação no capital da empresa. A diluição que isso representaria para os acionistas da empresa, dependendo da magnitude da mesma, poderá ser aceitável, resolvendo o principal problema atual da empresa e a liberando para valorizar, ou ser desastrosa, no caso de uma diluição exagerada. Recordamos que no primeiro plano de recuperação judicial 72% da empresa foi entregue para os credores. Uma diluição enorme dos acionistas.

Outro ponto importante, e que fazia parte do Blow Out das negociações com credores, é que a Oi pode dar como garantia a sua participação na V.tal. Esta condição é muito relevante pois confere uma garantia de elevada qualidade aos credores, que atualmente não têm os seus créditos cobertos por qualquer garantia real, e deverá diminuir substancialmente a dimensão da diluição dos acionistas.

Entendemos que uma nova recuperação judicial seria um processo muito mais simples e rápido do que o primeiro. A discussão atual envolveria apenas um número muito limitado de credores, relacionados apenas à dívidas acima identificadas e sem necessidade de discussão de créditos trabalhistas, tributários ou outros de pequenos credores.

Recuperação Extrajudicial – Uma alternativa melhor ?

Uma alternativa mais ágil poderia ser um processo de recuperação extrajudicial. Este procedimento, também previsto na Lei de Recuperação de Empresas e Falência (LREF), abre a possibilidade de negociação entre o devedor e credores de apenas uma ou algumas classes, sendo conduzida e concluída fora do âmbito do Judiciário, mas que, diante de certos requisitos pode ser homologada judicialmente com o objetivo de vincular credores que não aderiram aos termos negociados. O plano pode vincular todos os credores por ele abrangidos desde que aprovado por credores representativos de metade dos créditos da respetiva classe (art. 163, caput).

A vantagem deste processo é que envolveria apenas os credores de uma classe e bastaria a aprovação de metade dos créditos representados para que todos ficassem vinculados. Recordamos os credores com as quais a Oi anunciou manter discussões de renegociação e que são os que representam a quase totalidade da dívida: Bonds Qualificados, ECA’s e bancos locais. Todos estes credores, no plano de recuperação judicial homologado em 2018, foram classificados na mesma classe: Classe III – Credores quirografários (sem garantia real). Bastaria conseguir a aprovação do plano pelos credores representantes de metade da dívida desta classe para que os restantes ficassem vinculados ao plano.

Falência ou Acordo ?

Além da Recuperação Judicial e da Recuperação Extrajudicial, existe ainda a possibilidade da evolução positiva das discussões em curso com credores, evitando a entrada no processo de recuperação judicial. Esta solução seria benéfica evitando o impasse e a incerteza em que a empresa entrará durante o decorrer do processo de recuperação judicial.

A falência, em tese, seria também outra das possibilidades, no entanto, seria prejudicial para todos os envolvidos, mesmo para os credores que não teriam previsibilidade de quanto receber nem quando. Acreditamos que se passariam muitos e muitos anos até os credores receberam alguma parte dos seus créditos. Será sempre favorável a empresa continuar operacional, crescendo e gerando receitas para pagar as suas dívidas, ainda que num prazo mais alongado e trocando uma parte da dívida por participação no capital. Além do mais, oferecer aos credores uma garantia sobre a participação na V.tal é algo que confere uma outra qualidade aos seus créditos, passando a estar suportados num colateral sendo algo que atualmente não acontece.

Por conta de vários fatores identificados pela empresa, ocorreram atrasos na concretização do plano, mas o caminho que a Oi tem feito demonstra que a empresa é viável e está num caminho de crescimento e geração de valor. A estrutura de dívida precisa de ser renegociada de modo a ser replanejada em acordo com o contexto atual e a evolução prevista nos próximos anos.

Com este “pé na porta” da recuperação judicial, esperemos que a empresa não deixe os seus mais de 1 milhão de acionistas presos na porta e se lembre que ainda não se recuperaram da UTI onde entraram com a gigantesca diluição que sofreram na primeira recuperação judicial. Além disso, lembramos ainda que em 2019 aportaram novos recursos à empresa, através do aumento de capital de R$ 4 bilhões, a um preço por ação de R$ 1,24 e que correspondem hoje, após o recente grupamento (10x), a um preço de R$ 12,40 por ação, ou seja, uma perda próxima de 90% do capital face à última cotação de R$ 1,59.

Terminamos com uma citação do documento de solicitação de tutela de urgência cautelar:

“Embora os obstáculos ainda sejam grandes, a Oi tem todos os meios para se recuperar, porquanto ainda mantém uma receita líquida elevada, que, no último trimestre de 2022, atingiu o montante acumulado aproximado de R$ 9,955 bilhões.”

Nota: As informações publicadas são opiniões, interpretações e estimativas, podem não ser exatas ou corretas e não devem ser tomadas em conta para qualquer ação ou decisão de investimento. As informações oficiais devem ser procuradas junto da empresa e das autoridades competentes.


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