Os mídia são facilmente manipuláveis pelas empresas? – O caso do relatório de viabilidade da Oi

As informações sobre as empresas e sobre o mercado financeiro são muito relevantes para os pequenos investidores e para as suas decisões de investimento. Este texto é sobretudo uma reflexão sobre a qualidade da informação divulgada nos mídia, a facilidade com que estes podem ser manipulados e a sua capacidade de verificação dos dados.

Para esta reflexão, partimos do relatório de viabilidade da Oi que atestava a capacidade do caixa da companhia para fazer face às suas obrigações nos próximos 3 anos. Esse relatório foi divulgado em vários mídia e partilhamos aqui aquele que nos pareceu ter sido o primeiro a divulgar: Oi afirma a juiz da recuperação judicial que pode pagar suas dívidas por 3 anos (Estadão, 05-09-2022).

Todos sabemos que o caixa da Oi não aguentou sequer alguns meses, quanto mais 3 anos. Poucas semanas após a sentença de fim da recuperação judicial (RJ) a Oi já estava entregando ao juiz uma nova solicitação para uma nova RJ. De qualquer forma, face à evidência, a conclusão só poderia ser uma: o relatório não poderia estar correto.

Há algumas semanas divulgámos os erros do relatório de viabilidade econômico-financeira da Oi. Descobrimos que incluiu nas receitas valores que não entrariam no caixa da Oi e também que desconsiderava um pagamento milionário em 2025. O relatório, que concluiu pela capacidade da empresa em efetuar os pagamentos previstos por 3 anos, sem estes erros, teria uma conclusão completamente diferente concluindo que a empresa seria incapaz de cumprir com as suas obrigações.

Será que as empresas aproveitam a reduzida capacidade dos mídia para manipular?

Os erros que encontrámos são grosseiros e inadmissíveis. Nas receitas, duas parcelas no valor de R$ 1,3 bilhões e R$ 2,4 bilhões, recebidas para pagamento do contrato de locação de longo prazo da Globenet, foram consideradas como se ficassem no caixa da Oi. Do lado das obrigações, com base numa fundamentação no mínimo duvidosa, resolveram não considerar o pagamento de R$9 bilhões por conta das bonds com vencimento em 2025.

Acesse aqui as matérias onde desvendamos os erros do relatório:

A questão que fica é como esse relatório chegou nos mídia, tornando-se amplamente divulgado e quem teria interesse na sua divulgação. Será que os jornalistas fazem uma correta verificação das suas fontes e validam devidamente os fatos? Não seria simples entender os erros desse relatório, porém, para quem estivesse familiarizado com o caso da Oi, sobretudo com os detalhes da venda da participação na V.tal e o envolvimento da Globenet, o relatório deixaria dúvidas, que numa análise mais aprofundada, permitiriam detetar os erros.

A urgência na publicação de notícias, com o objetivo também de ser o primeiro a dar a notícia, além da crise que os mídia tradicionais atravessam e que os levam a reduzir o investimento em recursos humanos, podem estar na origem de uma quebra de qualidade da informação. Por outro lado, sabendo da menor capacidade de triagem, verificação e análise crítica, ficará mais fácil para as empresas divulgar informação incorreta com o objetivo de manipular? Em muitos casos, aquilo a que assistimos é a uma simples réplica das informações divulgadas pela empresa sem qualquer análise crítica. As crises recentes com várias empresas cotadas no mercado Brasileiro, em alguns casos provocados por falsidades e fraudes descobertas, reforçam esta questão. Será que podemos confiar na informação divulgada pelos mídia? Será que os mídia têm capacidade e recursos para evitar tentativas de manipulação por parte de empresas com más intenções? Muitos pequenos investidores estão amargando perdas por conta destas fraudes e falsidades.

A crise dos mídia e as Fake News

Os mídia tradicionais atravessam uma fase difícil. Por um lado, com a redução das suas receitas e a crise nos seus modelos de negócio, cortam custos e, por consequência, reduzem a sua capacidade, o seu investimento e a qualidade do seu jornalismo. Por outro lado, as plataformas digitais e as redes sociais estão cheias de fake news e de notícias de origem duvidosa com meias-verdades e objetivos menos claros. Nas plataformas de distribuição, estes conteúdos duvidosos competem com os mídia tradicionais que são regulados e obrigados a um código de ética e deontologia. E competem de duas formas:

  • pela audiência – disputando a atenção do utilizador e um lugar de visibilidade nas várias plataformas de distribuição como o Facebook, o Twitter, o YouTube, a pesquisa do Google, o Google Discover, etc;
  • pela receita – porque sobretudo os grandes players globais colocam publicidade e partilham receitas também com esses meios “duvidosos”.

O que poderemos esperar do futuro? Uma informação cada vez de menor qualidade e confiabilidade em resultado da crise que afeta os mídia?

Fica a reflexão. Fica também a certeza para os pequenos investidores que têm de manter o sentido crítico em relação às informações que são divulgadas.

Nota: As informações publicadas são opiniões, interpretações e estimativas, podem não ser exatas ou corretas e não devem ser tomadas em conta para qualquer ação ou decisão de investimento. As informações oficiais devem ser procuradas junto da empresa e das autoridades competentes.


Publicado

em

,